26/11/18

26/11/18

As Meninas - Lygia Fagundes Telles

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“As Meninas” é um clássico da autora Lygia Fagundes Telles, primeiro livro que leio dela e já me encantei com sua escrita cheia de críticas, realidade e emoção.

Publicado em plena Ditadura militar, ainda me pergunto como ele passou pela censura, contudo a crítica ferrenha presente na narrativa é camuflada por metáforas, e extensas descrições e reflexões feitas pelas personagens, o que torna sua criticidade difícil de ser acessada por um leitor desatento.

Narrado por três meninas completamente diferentes uma da outra: Lia, Lorena e Ana Clara que vivem em um pensionato de freiras e estudam na USP, o livro nos faz flutuar por memórias, dramas, ideologias e sentimentos que fazem o mundo chorar e sentir a dor de cada uma delas.

Lia de Melo Schutz é uma militante contra a ditadura, estudante de ciências sociais da USP, filha de mãe baiana e pai alemão (ex-nazista), sua narrativa é composta de críticas ao sistema vigente, além do medo e da constante insegurança de ser descoberta e presa, talvez a mais forte das três, ela deixa transparecer determinação e certeza sobre o que pensa. Lia é uma mulher desprovida de qualquer vaidade e com pensamentos típicos de uma observadora social, já que ela se preocupa com grupos que sofrem e não se iluda com coisas supérfluas.

Lorena de Vaz Leme é quase o contrário de Lia, vaidosa, riquíssima e alheia a realidade em que vive, uma típica burguesa, ela representa o consumismo desenfreado e acredita piamente na religião, utilizando conceitos e reflexões religiosas para compor sua narrativa.

Poliglota, estudante de Direito, Lorena mostra ao longo da obra sua emotividade em relação a tudo a sua volta o que contrasta bastante do perfil do seu curso, mas no final do livro veremos o quão fria e calculista ela pode ser, com sua rotina na concha rosa (seu quarto), ela constitui a base financeira das outras duas meninas, pois com sua riqueza infindável sustenta necessidades e vícios delas. Acompanhada pela sombra de ter visto um irmão matar o outro em uma brincadeira, ela sofre com a memória e a ausência da mãe em sua vida, além de viver na ilusão que constrói para si mesma.

Ana Clara Conceição é a mais difícil de acompanhar, viciada em drogas, amedrontada desde pequena por um estupro, sua narração é sem sentido e cheia de pontuações fora do lugar, o que achei incrível por parte da autora, que utilizou esse artificio para mostrar o quão à personagem estava fora da lucidez.

Filha de prostituta, ela com certeza foi a que mais sofreu e em parte podemos compreender o porquê de sua entrega as drogas, seu curso é psicologia, e reflito se ela gostaria de estudar essa matéria para entender o mundo que tanto a molestou, ou a si mesma, porém o mantem trancado.

Max, seu namorado, é traficante, o que denota a facilidade com que ela tem acesso a drogas.  Seus devaneios e alucinações voltam sempre ao tema de sua infância, ao um futuro que ela tanto deseja e mostra o quanto ela é a voz da marginalidade social.

A leitura desse livro é sensacional, os personagens não são totalmente bons ou ruins, heróis ou vilões, o que mostra quanto Lygia quis explorar a complexidade da natureza humana, as diversas facetas e dramas existentes em cada protagonista, seus sonhos e sentimentos, além de encantar o leitor com a fluida de sua escrita.

Tratando sobre questões sociais bastante importantes, como o preconceito racial, o consumismo e homossexualidade, “As Meninas” se torna praticamente uma leitura obrigatória daqueles que não deixam a poeira da intolerância cegar a essência do respeito e do amor ao próximo. Não vejo a hora de ler seus outros livros, porque esse com certeza entra pra minha lista de favoritos da vida!

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