“As Meninas” é um clássico da autora Lygia Fagundes Telles,
primeiro livro que leio dela e já me encantei com sua escrita cheia de
críticas, realidade e emoção.
Publicado em plena Ditadura militar, ainda me pergunto como ele
passou pela censura, contudo a crítica ferrenha presente na narrativa é
camuflada por metáforas, e extensas descrições e reflexões feitas pelas
personagens, o que torna sua criticidade difícil de ser acessada por um leitor
desatento.
Narrado por três meninas completamente diferentes uma da outra:
Lia, Lorena e Ana Clara que vivem em um pensionato de freiras e estudam na USP,
o livro nos faz flutuar por memórias, dramas, ideologias e sentimentos que
fazem o mundo chorar e sentir a dor de cada uma delas.
Lia de Melo
Schutz é uma militante contra a ditadura, estudante
de ciências sociais da USP, filha de mãe baiana e pai alemão (ex-nazista), sua
narrativa é composta de críticas ao sistema vigente, além do medo e da
constante insegurança de ser descoberta e presa, talvez a mais forte das três,
ela deixa transparecer determinação e certeza sobre o que pensa. Lia é uma
mulher desprovida de qualquer vaidade e com pensamentos típicos de uma
observadora social, já que ela se preocupa com grupos que sofrem e não se iluda
com coisas supérfluas.
Lorena de Vaz
Leme é quase o contrário de Lia, vaidosa,
riquíssima e alheia a realidade em que vive, uma típica burguesa, ela
representa o consumismo desenfreado e acredita piamente na religião, utilizando
conceitos e reflexões religiosas para compor sua narrativa.
Poliglota, estudante de Direito, Lorena mostra ao longo da obra
sua emotividade em relação a tudo a sua volta o que contrasta bastante do
perfil do seu curso, mas no final do livro veremos o quão fria e calculista ela
pode ser, com sua rotina na concha rosa (seu quarto), ela constitui a base
financeira das outras duas meninas, pois com sua riqueza infindável sustenta
necessidades e vícios delas. Acompanhada pela sombra de ter visto um irmão
matar o outro em uma brincadeira, ela sofre com a memória e a ausência da mãe
em sua vida, além de viver na ilusão que constrói para si mesma.
Ana Clara
Conceição é a mais difícil de acompanhar,
viciada em drogas, amedrontada desde pequena por um estupro, sua narração é sem
sentido e cheia de pontuações fora do lugar, o que achei incrível por parte da
autora, que utilizou esse artificio para mostrar o quão à personagem estava
fora da lucidez.
Filha de prostituta, ela com certeza foi a que mais sofreu e em
parte podemos compreender o porquê de sua entrega as drogas, seu curso é
psicologia, e reflito se ela gostaria de estudar essa matéria para entender o
mundo que tanto a molestou, ou a si mesma, porém o mantem trancado.
Max, seu namorado, é traficante, o que denota a facilidade com que
ela tem acesso a drogas. Seus devaneios e alucinações voltam sempre
ao tema de sua infância, ao um futuro que ela tanto deseja e mostra o quanto
ela é a voz da marginalidade social.
A leitura desse livro é sensacional, os personagens não são
totalmente bons ou ruins, heróis ou vilões, o que mostra quanto Lygia quis
explorar a complexidade da natureza humana, as diversas facetas e dramas
existentes em cada protagonista, seus sonhos e sentimentos, além de encantar o
leitor com a fluida de sua escrita.
Tratando sobre questões sociais bastante importantes, como o
preconceito racial, o consumismo e homossexualidade, “As Meninas” se torna
praticamente uma leitura obrigatória daqueles que não deixam a poeira da
intolerância cegar a essência do respeito e do amor ao próximo. Não vejo a hora
de ler seus outros livros, porque esse com certeza entra pra minha lista de
favoritos da vida!
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